Vinha em ritmo frenético com uma carreira de sucesso na música gospel, até levar uma paulada da crise da Covid-19. “Aí o mundo de todo mundo parou. Olhei pros lados e vi muita coisa horrível. Onde eu estava pelo meu próximo quando tudo isso estava acontecendo com ele?”
Priscilla, que é evangélica, conta que começou a se interessar por causas sociais. Confrontou “a própria hipocrisia” porque se dizia temente a Deus, “mas estava sempre com pressa, cega pela religião, talvez”.
Naquele maio de 2020, as polícias americana e brasileira assassinaram George Floyd e João Pedro. Foi quando a compositora escreveu a letra que cita as duas vítimas de violência policial e fustiga o cristão que nada faz diante de injustiças afins.
São versos como “A incoerência da fé/ Que diz ‘Deus é amor’/ E esconde esse Deus/ Em nome do temor”, e “Eu já vi tanta gente/ Que dizia saber curar/ Passando reto/ Por quem só sentia dor”. Ela diz que a maior crítica, na canção, é a ela mesma. Muita gente, contudo, viu ali indiretas a pares cristãos, sobretudo àqueles sentados na cabeceira do poder evangélico. “É aquele caso, se a carapuça serve…”
Coqueluche da juventude bolsonarista, o vereador Nikolas Ferreira, do PL de Belo Horizonte, é da mesma idade e religião que Priscilla, e isso é tudo o que eles têm em comum. Ele reproduziu numa rede social a foto do “amar” que ela escreveu dentro da boca e resgatou o desenho que o grande nome do pop nacional tatuou próximo ao ânus. E insuflou: “Pelo visto não é só a Anitta que faz tatuagem onde sai merda”.
Priscilla diz que prefere “nem gastar energia” com Nikolas e os que subscrevem essas “palavras anticristãs”. “São coisas que não fazem sentido na minha cabeça. É impossível entender como existe lógica num Deus que é amor, mas com palavras de ódio.”
Não foi só a transição da cena gospel para um pop cheio de roupa justa que irritou um quinhão do segmento evangélico que passou a vê-la como ovelha desgarrada. Também incomodou Priscilla ter tachado de “podre” a opinião de Bruna Karla, cantora gospel que se gabou de ter declinado convite para o casamento de um amigo LGBTQIA+, por considerar que os gays estão “no caminho da morte eterna”.
Priscilla tem um posicionamento político claro e acha bom que seja assim. “As pessoas sabem que eu odeio esse governo, que não vou votar no Bolsonaro.” Tem simpatia por Marina Silva, ex-presidenciável que em 2022 deve concorrer a deputada federal, mas acredita que, numa eleição tão polarizada como a atual, há algo maior em pauta. Uma piscadela para Lula.
Ela inclusive anunciou, meses atrás, que nunca mais cantaria “Liberdade”, hit de sua fase gospel. Motivo: Bolsonaro o havia usado de trilha num post. “Gente, o que eu fiz de tão errado pra merecer isso?”, a compositora comentou abaixo de um print da curadoria presidencial.
Para ela, é “inerente ao artista ser uma voz”, e aqui ela se lembra de Leonardo Gonçalves, cantor evangélico de esquerda que continua no gospel. Mas se lembra também de Anitta.
Um dos livros prediletos de Priscilla é “A Arte e a Bíblia”, em que o teólogo Francis Schaeffer encoraja cristãos a adorar a Deus por intermédio da arte. “Ele falava que, dentro de uma sociedade, o artista é a pessoa que mais tem chance de mudar uma cosmovisão. E é verdade, olha a força cultural de Anitta. Estamos falando de formar cabeças.”
Ela não gosta de rótulos prontos, todavia. “Jesus é meu pilar, minha família é meu pilar. No final do dia, não paro e penso: fui cristã progressista hoje? Só quero saber se fui coerente com a minha fé.”